O HOMEM voltou à terra natal e achou tudo mudado.Até a igreja mudara de lugar.Os moradores pareciam ter trocado de nacionalidade, falavam língua incompreensível. O clima também era diferente.
A custo,depois de percorrer avenidas estranhas, que se perdiam no horizonte, topou com um cachorro que também vagava, inquieto, em busca de alguma coisa..
Os dois se reconheceram: o cão Piloto e seu dono.Ao deixar a cidade,o homem abandonara Piloto, dizendo que voltaria em breve,e nunca mais voltou.O animal inconformado procurava-o por toda parte.E conservava uma identidade que talvez só os cães consigam manter, na Terra mutante.
Piloto farejou longamente o homem, sem abanar o rabo. O homem não se animou a acariciá-lo. Depois, o cão virou as costas e saiu sem destino. O homem pensou em chamá-lo, mas desistiu. Afinal, reconheceu que ele próprio tinha mudado, ou que talvez só ele mudara, e a cidade era a mesma, vista por olhos que tinham esquecido a arte de ver.
(Carlos Drummond de Andrade. O GRANDE) (link)
Disclaimer:
"A arte de ver" não é para qualquer um", disse alguém um dia desses pra mim. Concordei.
Há quem "enxergue", mas não veja.Essa é a pior cegueira.William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo".
Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra".Já Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.
Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra".Já Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.
A imagem é da cadelinha batizada de "Mel".Ela se foi, teve uma embolia pulmonar.Virou estrelinha, e nos deixou belas lembranças e muita saudade. Minhas netinhas estão arrasadas. Foram 9 anos de alegria, cumplicidade,carinho e amor. Quem pensa que os cães não amam, pode mudar de opinião. Eles já chegam à terra prontos para amar seus donos.
Nós que somos imperfeitos, temos muito ainda a aprender.
L.M.
L.M.
Hoje não tem música.
Um beijo para os meus amigos
Lau
Imagem :minhas e uma pescada na Web/ editadas no Picasa
Fonte: Carlos Drummond de Andrade in Contos Plausíveis, pág, 37-Editora Record.
Citações (2)sobre a arte de ver foram "absorvidas", "incorporadas" através do Grande Rubem Alves.