Thursday, October 27, 2016

E o encho de algodão, de paina, de doçura ... (Série Drummond Dia "D"- 2016)

Imagem com licença poética

Fabrico um elefante
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos móveis
talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão,
de paina, de doçura.

A cola vai fixar
suas orelhas pensas.
A tromba se enovela,
é a parte mais feliz
de sua arquitetura.

Mas há também as presas,
dessa matéria pura
que não sei figurar.
Tão alva essa riqueza
a espojar-se nos circos

sem perda ou corrupção.
E há por fim os olhos,
onde se deposita
a parte do elefante
mais fluida e permanente,

alheia a toda fraude.
Eis o meu pobre elefante
pronto para sair
à procura de amigos
num mundo enfastiado
que já não crê em bichos
e duvida das coisas.

Ei-lo, massa imponente
e frágil, que se abana
e move lentamente
a pele costurada
onde há flores de pano
e nuvens, alusões
a um mundo mais poético
onde o amor reagrupa
as formas naturais.

Vai o meu elefante
pela rua povoada,
mas não o querem ver
nem mesmo para rir
da cauda que ameaça
deixá-lo ir sozinho.

É todo graça, embora
as pernas não ajudem
e seu ventre balofo
se arrisque a desabar
ao mais leve empurrão.

Mostra com elegância
sua mínima vida,
e não há cidade
alma que se disponha
a recolher em si
desse corpo sensível
a fugitiva imagem,
o passo desastrado
mas faminto e tocante.

Mas faminto de seres
e situações patéticas,
de encontros ao luar
no mais profundo oceano,
sob a raiz das árvores
ou no seio das conchas,
de luzes que não cegam
e brilham através
dos troncos mais espessos.

Esse passo que vai
sem esmagar as plantas
no campo de batalha,
à procura de sítios,
segredos, episódios
não contados em livro,
de que apenas o vento,
as folhas, a formiga
reconhecem o talhe,
mas que os homens ignoram,
pois só ousam mostrar-se
sob a paz das cortinas
à pálpebra cerrada.

E já tarde da noite
volta meu elefante,
mas volta fatigado,
as patas vacilantes
se desmancham no pó.

Ele não encontrou
o de que carecia,
o de que carecemos,
eu e meu elefante,
em que amo disfarçar-me.
Exausto de pesquisa,
caiu-lhe o vasto engenho
como simples papel.

A cola se dissolve
e todo o seu conteúdo
de perdão, de carícia,
de pluma, de algodão,
jorra sobre o tapete,
qual mito desmontado.
Amanhã recomeço.

(Carlos Drummond de Andrade,o aniversariante do mês, in "Elefante")



Disclaimer

Duvidoodó que não haja uma pessoa que passe por aqui que não tenha um elefante em casa. Falo por mim que sou a-pai-xo-na-da por elefantes.Tenho uma coleção de bibelôs-elefantes,de telas, chaveiros, cadernos,agendas,dois relógios e outros penduricalhos.
Só Freud pra explicar essa fixação nesse bichinho tão grande no tamanho,na lindeza e nas suas peculiaridades.
Os elefantes possuem  o maior cérebro entre todos os mamíferos.Sua inteligência e memória são muito boas.Li um dia desses que os elefantes possuem uma capacidade de compreensão naturalmente  e são muito mais parecidos conosco do que  pensávamos.Conhecidos como solidários,são realmente preocupados com o bem-estar de seus companheiros de manada.Se alguém estiver passando por um momento complicado, prontamente seus amigos o confortarão.São corajosos. 
Bom seria que entre os humanos  sempre  houvesse essa solidariedade que há entre os elefantes,né não?  Além  da sociabilidade,da amizade,são divertidos e  companheiros. E mais: afastam a negatividade e dão sorte. Uhu! 
 Com todo o tamanhão do animal ,alguns chegam a pesar toneladas,sinto-os e vejo-os tal qual Drummond em seu poema : 
de uma  leveza de "algodão,de paina,de doçura"...
Sejamos elefantes nem quem seja por um dia.

 Um beijo 
Lau   



Recadinho
Não teremos soundtrack em respeito à passagem,a ida para o céu do Grande Capitão da Seleção Brasileira, o famoso "Capita" Carlos Alberto Torres, (link) que nos deixou há 2 dias.Ao  ler a declaração de seu filho (link) vê-se que o "capita" possuía o espírito solidário dos elefantes.
R.I.P. Grande Carlos Alberto Torres !! ♥





Aqui, o elefante de Drummond na voz de Adriana Calcanhoto.
Fonte: A Rosa do Povo -Andrade, Carlos Drummond de -Companhia Das Letras.pág.47
Imagem by @Benelephants